terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Carta para alguém que eu gostaria de conhecer


Avô Runa,

Desde pequena que me lembro de os meus amigos falarem dos avôs com grande admiração. Lembro-me de contarem as vossas idas ao parque, de verem TV juntos, da maneira como os avôs cortam as laranjas e até das novas cores que tinham aprendido. Na altura nem dava por isso, porque eu tinha o avô que mandava não sei quantas caixas de gelados no dia da criança para a escola, mas nunca cheguei bem a conhecer o homem a quem chamo de avô. Nem nunca o chamei pelo primeiro nome, ou alcunha. É o Avô Runa, sempre pelo apelido. Agora que olho para trás, não tenho momentos como aqueles que a maior parte das pessoas da minha geração tem com os avôs. Acho que não o conheço, e o avô não me conhece. Usa a avó sempre como desculpa para tudo. Nunca entrou na minha casa, nem na de qualquer um dos seus outros filhos e netos. Apenas foi aos casamentos. Batizados, Comunhões, Profissões de Fé, apenas na igreja. No momento em que saiu de casa deixando para trás uma mulher e 4 filhos, há já mais de 25 anos, deixou também para trás a vida dos que se seguiriam. E sabe, custa-me  facto de saber o aniversário e ir partir o bolo a casa dos seus "outros netos", aqueles que nem sequer são seus mas a quem nunca esquece do aniversário ou da prenda... E sabe, eu nem queria saber da prenda para nada, apenas gostava de receber um telefonema seu no meu aniversário... Há uns dias encontrei em casa da avó a carta que lhe escreveu no dia em que deixou aquela casa, em que saiu para nunca mais entrar. Desta família, pouco sei, há coisas que não se transmitem entre gerações, pelo simples facto de que todos acham que é demasiado triste e que eu sou demasiado nova para recordar. Tenho-me empenhado bastante para tentar entender aquela letra... pode ser que através dela consiga, talvez, entender o que se passou, e conhecê-lo a si também um pouco porque de si, apenas sei o nome e a idade, porque do resto, ninguém quer falar...
Beijos,
Margarida

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